quinta-feira, 31 de julho de 2008

Desejo de um poeta

Ah, se eu tivesse o dom de um poeta...

Abriria a janela do meu coração
e gritaria aos ventos o seu nome,
pintaria as cores todas de flores
e as daria às crianças,
renovando nelas o sorriso
claro como uma nuvem
e leve como o ar,
que acaricia o seu rosto -
quadro bonito de meus olhos.

(Cântico - 28.02.2007)

domingo, 27 de julho de 2008

Pergunta

Eis que te pergunto, de soslaio,
disfarçadamente, em meio à minha poesia
se queres vir comigo e fazer-te estrela.
Quero saber se, tão sorrateiramente,
decidirás desta vez vir comigo –
qual cão seguidor –
num destino sem rumo,
sem futuro, sem promessas,
sem fama, sem nada
senão meu amor?

Do âmago do meu ser,
do centro do meu corpo,
do fundo de minh'alma,
sai o fogo que me consome.
E ele é todo dirigido a ti.

(21.02.2007)

sábado, 26 de julho de 2008

Incerteza?


“É preciso calibrar o meu cristal. É preciso definir com mais exatidão os limites desse meu olhar observador nem sempre tão preciso. É preciso sair desse mundo de faz de conta que às vezes eu finjo habitar para ver de perto a realidade crua das coisas. Ando precisando ver o mar. Realinhar meu ascendente com o planeta da vez. Tentar enxergar com mais clareza o que nem sempre é fácil de se ver. Apesar de toda essa miopia, ainda sou muito boa com as coisas do invisível. Ainda tenho o tato apurado e o olhar de laser a assinalar o obstáculo lá na frente. Mas às vezes tudo isso falha e eu tropeço do mesmo jeito como era quando criança, correndo uma vez atrasada pra escola. Nunca esqueci desse tombo. Por causa de uma garrafa de suco de caju quebrada e por causa dessa cicatriz horrorosa que carimba orgulhosa esse meu joelho esquerdo. Ainda hoje me lembro da sensação de desespero que é perceber o chão esvair-se dos pés. Um soco no estômago. Uma falta de ar não anunciada. E é assim até hoje, quando eu acho que roubaram o meu carro. Quando eu perdia uma das minhas lentes de contato. Quando eu recebo uma notícia terrível. E quando você me olha assim demorado. Então eu respiro fundo e tento não perder o foco de todo o resto. Tento não me deixar levar por esse frenesi passageiro e incrédulo a sacudir nossa ponte. Tento não cair. E tento não te derrubar com todas essas minhas confusões de libélula perdida. Batendo a cabeça na janela.

Tentando.

Tentando.


Tentando.


Por de trás das minhas lentes, o mundo parece tão bonito.

Pena eu não conseguir atravessar de uma vez a espessura delicada desse nosso vidro de granito.”

A idade, a história e o tempo

Hoje, sou apenas o que você vê diante de seus olhos.

Um carvalho firme no meio do bosque.
Alegre pelo vento que o acaricia.

Sob mim há sombras e relva para descanso.
Muitas histórias, risos e lágrimas.
Há também um céu estrelado sobre minha copa.
A certeza do silêncio e do segredo.

Sou madeira viva e quente e casa.
Sou alimento em minhas folhas
E continuidade pelo chão.

Sou o tempo que pára para ver a vida que passa.
Sou carvalho alto, hirto e perto.

(09.abril.2007, Aprendendo a envelhecer)

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Tanto pra mim e pra ti

Eu escrevo mais rápido que você lê.
Eu penso mais rápido que escrevo.
Eu sinto mais forte que o que penso.
Eu vivo tanto que nem sinto mais.

("Nesse instante" - 18:58h - 03.03.2006)

sábado, 19 de julho de 2008

As sem mentiras do amor

Nenhum amor foi feito pra dar certo.
Nenhum amor foi criado para render bons frutos.
Nenhum amor foi inventado pra durar mais que cinco minutos apaixonados.

É covardia esperar do amor um futuro brilhante.
Desejar que ele fique pra jantar.

O amor apenas pousa em pequenos segundos de amor.
Pequenos pedaços de alegria que desaparecem com a mesma velocidade de uma estrela cadente imaginada.

Porque é bobagem querer que o amor perdure.
Que ele se demore.
Que ele perca a hora e se esqueça de ir.

O amor se despede sempre.
Está sempre a postos para um novo amor.

O amor não fica.
Não se esquece na conversa.
Não se confunde.

O amor sabe bem o que quer e o que ele quer é ir-se.
Desvencilhar-se.

Mas para onde?

Para encontrar um novo amor que não se demore.
Que não se esqueça.
Que não se despeça.

Porque o amor está sempre em busca de um novo amor que fique pra sempre.

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Sonho com britadeiras.
- Malditas britadeiras a contorcer meus concertos!
Se caminho hoje pela minha solidão
tem sempre um rombo a me lembrar onde estou.

Vadias!
Quem pediu a presença de vocês?
Vão berrar em outro mundo!
Devorar outros asfaltos!
Mas não venham recapear meus velhos passos,
Não venham interditar meus devaneios.

...deixem meu trânsito como sempre foi.
Ainda sei chegar em casa...

(...e, enquanto isso, vou me defendendo
do urro do concreto a violar meu abstrato)

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Trans-bagunça

Atreveste dizer uma coisa e depois outra, sem saber que toda essa exclamação me pôs fora do ar.

Atreveste colocar a sua mão na minha mão, dando passos em falso, até cessar rapidamente o que chamamos de dança.

Atreveste a por a mão dentro da minha calça, passando pelo sorvete que escorria sem calda, enquanto o filme do Antonioni estava monótono.

Atreveste a dar colher de chá aos sobre-saltados da vida, e assustou-se quando a lanterna como flecha apontou para o seu rosto acusado no escuro do cinema.

Atreveste a dar propósito a uma bagunça e confusão de palavras e atreveu transcender chamando isso de amor.

Atreveste a presumir que a caminhada pela Cinelândia após o show do Caetano acabava em bar, e associar que bar acabava em cama.

Atreveste a correr para fazer sinal a um quatrotrêsdois laranja, que cortou e varou como bala por uma 28 de Setembro silenciosa, a espera do barulho e luzes das armas trans-saltantes.

Atreveste a desmanchar o segredo da porta e transar ali mesmo, na cozinha, enquanto seus pais dormiam de boca aberta no sofá da sala, sobre a batuta e iluminação do filme do Antonioni que sobrava na TV.

Atreveste dizer ao acordar, inquieta por me ver escrevendo que minha escrita era pretensiosa, pois não tinha nexo escrever sobre ontem e que era muita cara de pau achar que escrever sobre uma bagunça sem propósito e umas palavras confusas daria um bom texto.

E não me atrevi lhe tirar a razão.

terça-feira, 15 de julho de 2008


Se te escrevo nestes versos
Mal ajambrados e imprecisos
É porque te amo
E porque preciso
Ver-te do outro lado da ponte
Para enfim me jogar sem receio

E se te adivinho ou te imagino
No momento exato em que me chamas
É porque te amo
E porque te anuncio sem pudores
Aos quatro cantos de meu coração
Delicado e displicente

Mas se te esqueço por um segundo
E sigo meu caminho sem que tu me acompanhes
Então percebo
Que viver é um negocio arriscado
Para quem não tem seus amantes escolhidos a dedo



domingo, 13 de julho de 2008

Trago de mim um trago pra mim

Te tateio em pedaços de tempo que meus gritos trazem para aqui. Aqui dentro. Onde o vento que não pára arrasta pra mim aqueles cacos do momento que eu tenho você. Tenho? Tive, terei. Conjugação febril dos meus gestos-furtos que roubam o que eu imagino quando te trago pra mim. Sou ladrão de mim.

domingo, 6 de julho de 2008

Ménage


Ele ainda não sabe atender aos caprichos dela
Não consegue acertar na métrica
Deixa escapar uma ortografia
E ela de longe se diverte com seus tropeços
De menino novo a se relacionar com as palavras

Aflito pelo acerto
E por lindas noites de amor com ela
Ele atropela todas as etapas
Querendo-a numa urgência adolescente
Mas esquece de fazer as honras antes de convidá-la para dançar

Nesse flerte divertido e poético
Ele se angustia por não conseguir o que quer
Ela se lambuza com suas investidas incertas
E ambos não reparam na lua nova que acaba de sair

Quisera eu poder levar os dois pra casa.

("O menino e a poesia" - Para Felipe Coelho)