terça-feira, 7 de dezembro de 2010

“Há muito tempo atrás existiu um pintor que era obcecado pelo efeito que chamamos em arte de chiaroscuro. Luz e sombra. Sombra e luz. Uma mostrando pra outra onde é que é pra ficar. Estrada de mão dupla onde todo mundo respeita o sinal, mesmo sem pardal. Mas no dia de hoje, meu coração não virou uma tela de Caravaggio. Grandes massas de sombras assombram pequenos pontos de luz, mas uma não sabe bem ao certo até onde deve ficar para a outra passar. Minha tela descompassada então tornou-se um grande borrão, onde não se vê mais nada. Não tem nada de bonito. A sombra parece piche, de tão pegajosa. E a luz parece nuvem, de tão efêmera. Porque ninguém explica como é que um grande amor se acaba assim? Porque ninguém anota o caminho pra quando a gente se perder um do outro, encontrar o percurso de volta? Assistir um grande amor se perder é como ver uma grande árvore morrer. Bem ali, na frente dos nossos olhos, definhando. Secando. Até apodrecer e se tornar um risco. E então corta-se tudo fora e no quintal, fica aquele buraco por anos. Porque ninguém pode substituir uma árvore. Sua beleza de árvore. Seus frutos de árvore. Sua sombra fresca de árvore. Eu tenho que lidar todo dia com o fato de ter uma mangueira morta no quintal. Não há um dia que eu não sofra por ela. Não há um dia que eu não me culpe por não ter feito nada para salvá-la. Não há um dia que eu não pense: o que eu faria para voltar atrás e dar a ela tudo o que ela precisaria para não ter morrido assim. Todos os dias eu penso que de alguma forma, eu fracassei com ela. Essa árvore morta no meu quintal virou uma cicatriz no meu peito. Virou um problema meu. Assim como esse amor que se perdeu de nós. O que faz o amor permanecer no endereço certo? Eu não sei. Nunca soube. E quando cheguei perto de descobrir, alguém tocou o sinal e meu tempo acabou. Simples assim. Sentada agora na minha varanda eu assisto a mangueira ao lado frutificar. As mangas caem no chão e fazem vários barulhos, até engraçados. Ela está linda e feliz, como que se exibisse para a outra ao lado, completamente seca. E eu fico pensando quando é que vou reagir e saborear meus frutos. Quando é que vou entender que a vida sempre encontra seu ciclo natural e que ela sempre prossegue, de uma forma ou de outra. E que ninguém morre de amor, porque todo mundo supera. E que todo mundo se desaponta, porque alguém sempre vai embora. E que mágoa é como marca de vacina: todo mundo tem uma, embora no dia de hoje a minha tenha virado uma grande catapora.”

(.Chiaroscuro. 7/12/2010.)