quarta-feira, 16 de julho de 2008

Trans-bagunça

Atreveste dizer uma coisa e depois outra, sem saber que toda essa exclamação me pôs fora do ar.

Atreveste colocar a sua mão na minha mão, dando passos em falso, até cessar rapidamente o que chamamos de dança.

Atreveste a por a mão dentro da minha calça, passando pelo sorvete que escorria sem calda, enquanto o filme do Antonioni estava monótono.

Atreveste a dar colher de chá aos sobre-saltados da vida, e assustou-se quando a lanterna como flecha apontou para o seu rosto acusado no escuro do cinema.

Atreveste a dar propósito a uma bagunça e confusão de palavras e atreveu transcender chamando isso de amor.

Atreveste a presumir que a caminhada pela Cinelândia após o show do Caetano acabava em bar, e associar que bar acabava em cama.

Atreveste a correr para fazer sinal a um quatrotrêsdois laranja, que cortou e varou como bala por uma 28 de Setembro silenciosa, a espera do barulho e luzes das armas trans-saltantes.

Atreveste a desmanchar o segredo da porta e transar ali mesmo, na cozinha, enquanto seus pais dormiam de boca aberta no sofá da sala, sobre a batuta e iluminação do filme do Antonioni que sobrava na TV.

Atreveste dizer ao acordar, inquieta por me ver escrevendo que minha escrita era pretensiosa, pois não tinha nexo escrever sobre ontem e que era muita cara de pau achar que escrever sobre uma bagunça sem propósito e umas palavras confusas daria um bom texto.

E não me atrevi lhe tirar a razão.

3 comentários:

Felipe Coelho disse...

Cabe ressaltar que vocês não estão enganados, existe no texto erros das pessoas, pois muda na mesma frase da 2ª pessoa do singular no pretérito perfeito para a 3ª. É que atreveste é bonito, e ficou mais lindo ainda com atreveu ou com assustou-se, por isso não mudei. O erro em favor da beleza

E bem, é um texto tão pretensioso quanto o outro último. E é de propósito, não com uma tentativa de sooar falso, mas de sooar honesto com o texto.

Costumo escrever de modo mais simples, traduzir-se no simples sem ser ordinário é bonito pra caramba, gosto do lindo no simples, do lindo de quem não inventa moda (acho lindo, às vezes, quem inventa tbm). Porém, neste texto além dos erros de português, há uma invenção de palavras e hífens para dar essa idéia de bagunça e confusão. Confusão de imagem que se faz tanto com a flecha do laterninha do cinema na cara acusada quanto da TV iluminando os pais no sofá da sala.

Enfim, quero dizer que é pretensioso de modo honesto, porque ele tenta dar ritmo e poesia ao que não tem por natureza gramatical nem ritmo e nem poesia. Por isso que o texto diz que “uma bagunça sem propósito e umas palavras confusas daria um bom texto”, realmente não dão. Eu não me atrevo a discordar disso ou de quem lê esse texto e não o acha bom, pois é isso mesmo. Não é um bom texto, é uma bagunça de imagens e sons que aconteceram comigo.

É pretensioso, mas o texto ser exatamente com o que ele propõem é interessante. Há uma tentativa do personagem do texto de fazer um bom escrito com o que ele viveu, porém comigo ocorre diferente, eu tentei tentar fazer ele ser bom e não conseguir. E acho que consegui.

Desculpem roubar também esse espaço. Mas é gostoso falar com quem lê os textos daqui também

Abraços

Alice Venturi disse...

Pretensiosas eu não.
Confusas ou não.
Que seja.
Tuas palavras acabam de iluminar minha sala.

Adoro.

Beijo, querido.

Domenico Castaldini disse...

Atreveste atravessar seu atrevido escrito sobre a travessa insalobre do academicismo barato?!...
...Sensacional! Nada mais verdadeiro do que um olhar desse sobre o universo urbano!