segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Feito sem rascunho

Eis a verdade: a poesia liberta.

E a arte é redentora.
Ela resgata.
Desinibe.
Destroça o nó apertado.
Faz da corda fiapo esquecido.
A poesia é essa força de barbante fino que vem me buscar no meio da noite agora.
Essa delicadeza estranha e imperfeita.
A poesia é o que cala.
É aquilo que transborda.
É a voz do meu silêncio mais escondido.
A poesia traz pra fora todos os meus contudos.
Poréns. Todavias.
Elas desfaz todas as mágoas dessa tarde de chuva fina.
A poesia liquefaz todos os esquecimentos.
Ela acende o meu dentro, inflama todas as minhas feridas.
Ela expurga o filete de mal que vai escorrendo vagaroso
Viscoso
Aderente à pele.
A poesia é esse machucado que eu trago aqui dentro
Que faz tudo ficar mais sensível cá fora.
A poesia não me pergunta.
Não me seleciona.
Não me escolhe.
A poesia nem mesmo me possui,
De tão ligeira.
Ela se abastece desse meu olhar estranho
Com pedaços de belezas escondidas
E distribuídas como migalhas pelo chão.
Eu sou o pombo que as recolhe.
Sou a poça que as umidece.
Sou o vento que as leva para o outro lado da rua,
Em silêncio.
Perto dela eu sou um pedaço de bisnaga amanhecida
Que não serve nem mesmo pra se fazer rabanada.
Sou alimento imprestável.
Apodrecido.
Eu sou o desperdício.
O que se tira do prato e se joga no lixo.
O fim que não se encontra em si mesmo.
Símbolo de infinito é pouco pra mim.
A poesia me transcende.
E me leva pelos ares,
Prendendo minha respiração ofegante
Como uma boa alergia.
A poesia é essa mania que eu tenho
De tentar viver
Salpicando flores pela calçada
Esperando que o vento semeie essas minhas poucas palavras
Pra todo canto do planeta.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Sobre Velas...

Ao meu amigo João

Eu quero um poema de longo curso
Que navegue na pele
Daquele desavisado
Que ouse ler seus cais ilusão
Sem o devido mapa

Um poema que se esqueça
E que se entregue
Em pleno alto mar, ainda que agitado
Mas que saiba voltar pra casa
De mansinho
A ponto de se fazer despercebido

Um poema delicado
Que não se aborreça com as ondas
Que não tropece em outros barcos
E que não se perca na rota
De uma nova paixão

Um poema displicente
Metade poema, metade gente
Que percorra sem erro
Cada pedaço dessa aurora perdida
E que recorra a cada uma das minhas ilhas
Cada vez que se sentir perdido
E sem solução

Um poema que me acene de longe
Neste fim de tarde de começo de verão.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

O Pássaro sem Patas

(O pássaro ao tomar o vinho do esquecimento,
Quis esquecer para sempre que tinha patas,
Agora voará a vida inteira, num canto torto,
E só irá parar quando morto.)
(...)

(Ela não mora mais aqui,
Mas ainda penso nelas todos os dias.)
(...).

(Por um momento eu a tive,
Mas deixei ela escapar.)
(...).

Havia uma promessa de um reencontro,
Uma promessa que se manifestava somente no meu imaginário.
Num estágio, entre noites e dias, entre um pensamento precário.
Entre meu desejo de um encontro num último plano.

Havia uma dinâmica de destino,
Que tendia a se cruzar sempre que se perdia a esperança.
E sempre que se perdia a esperança,
Uma relação estava a caminho.

Uma relação abstrata,
Que de concreto apenas à vontade do espectador.
Uma vontade de haver algum desengano, alguma dor.
Alguma coisa para afastar o amor que não acaba.

Quando de fato nos encontramos,
Tivemos uma continuação de uma paixão embriagada.
Pois foi e talvez ainda seja uma paixão represada,
Quando de fato nos afastamos.

(Depois que tomou o vinho do esquecimento,
Esqueceu de suas patas e voou a vida inteira.
Como numa gigante gaiola vazia, voou,
Atrás das suas lembranças perdidas.)
(...)

(Ela não mora mais aqui,
Mas ainda penso nelas todos os dias.)
(...).

Há todo momento relembro o passado,
E neste momento deixo transparecer a confusão presente.
Talvez tentando recuperar as lembranças no vazio vigente,
Deixando que meus sentimentos me causem um efeito retardado.

E ao sentir vontade de chorar,
Contemplo-me triste apenas nos dias subseqüentes.
Não encontrando o ajuste do tempo entre o amor e as razões freqüentes,
Sinto vontade de chorar.

(Por um momento eu a tive,
Mas deixei ela escapar)
(...).

Havia uma promessa de reencontro,
E o seu corpo era a concentração perfeita da nossa intimidade.
Que ao ser experimentado ao extremo em meio a nossa felicidade,
Fez-me sofrer de uma exaustão precoce, nosso último plano.

O ápice do nosso desejo,
Era igualmente apreciado à vontade de nos repelirmos.
O corpo cansado pelo o prazer que repetíamos,
Era na certa a convivência do ato sexual já sem ensejo.

Foi assim que se deu e ainda se daria o nosso amor,
Como uma aventura poética de fugas e retornos.
Aquele nosso impulso de se libertar um do outro,
É que nos fazia visualizar a ilusão de um pouso, enganando a dor.

(E o pássaro que quis voar a vida inteira,
O pássaro que só para quando morto.
Agora se entristece com a ausência de pouso).
(...).

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Em manutenção

Estamos em manutenção
Favor retornar mais tarde
Não possuímos previsão
De quando voltaremos a rodar

Senhora, estamos fechados
Estamos em manutenção
Sem previsão de retorno
Para voltarmos a funcionar

Será que terei que repetir?
Não estamos no ar
Estamos em manutenção
Para melhor lhe ajudar

Mas será possível?
Não lhe darei mais atenção
É a ultima vez que repito
Estamos em manutenção

Permanente

Roxo

Quando acordei já era grande
Tudo era novo
Tudo era roxo
O azul
O branco
Até mesmo o preto
Tudo roxo, assim meio sem gosto
O famoso pressuposto
De contrato imediato
Arbitrário
Inexorável
Sei lá
Ainda estou me acostumando
Não que eu queira
Alias
Querer eu quero
Mas ainda estou me adaptando
Acostumando o querer
Mudo-me todo e falo
Que faço o que faço
Graças a você

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Um poema para a moça

"Quebra essa casca, menina!
É de dentro que se olha a poesia."


Ela me chama
Me puxa pela mão
Me mostra um caminho novo
Força a minha vista
Mas eu finjo não ver
Eu olho pro outro lado
Eu espirro e sigo adiante
Aparentemente impassível

Mas ela não desiste
Ela espera o momento certo
Sussurra ao meu ouvido
Dá um sorriso charmoso
E eu fico um tanto mexida
Abalada
Quase entregue
Mas ainda inteira

Então ela suspira
Volta
Refaz todos os encantos
Compõe melodias bonitas
Traz presentes inesperados
Experimenta todas as formas
De me convencer
A seguir seu olhar
A usar seu paladar
Pra provar minhas delícias

De fácil encantamento eu observo
Arrisco
E enfim experimento com gosto
Esse seu sabor quase agridoce
De tudo o que é inesperado

Então eu me lambuzo com suas rimas
Saboreio cada pedaço dessa loucura
Que é ser entregue
A quem não se sabe

Sentada no portão de casa
Eu agora a espero chegar
E me levar pela mão
Pra qualquer lugar
Que ela queira
Me mostrar de fato

Assim
Eu aceito sua poesia
E me preparo pra embarcar
Nessa beleza de não se saber
Como se faz um belo poema

Porque é ela que me ensina
Ela que me salva

Porque eu não preciso de mais ninguém
Pra consertar minhas palavras
Pra inspirar as minhas rimas
E pra me mostrar como é que se faz
Pra se emocionar com um belo poema